Curta-metragem “Leading Lady Part” e o sexismo na indústria do cinema
- Giovana Costa
- 7 de nov. de 2019
- 6 min de leitura
Atualizado: 13 de nov. de 2019
Escrito e dirigido por Jessica Swale, o curta lançado em 2018 traz as principais questões enfrentadas pelas atrizes.

Inspirado no movimento Time's Up, a empresa Rebel Park Productions da atriz britânica Gemma Arterton lançou em agosto de 2018 um curta-metragem cômico chamado "Leading Lady Parts". Através da produção é possível compreender um pouco mais como as desigualdades de gênero atingem os papéis e consequentemente as atrizes que, constantemente lidam com os preconceitos e padrões inatingíveis da indústria. O lançamento aconteceu na BBC4 do Reino Unido, mas é possível assistir mundialmente no YouTube (e você pode conferir logo abaixo).
Contendo oito minutos, o curta foi escrito e dirigido por Jessica Swale e produzido por Rebel Park. De acordo com uma entrevista dada ao Los Angeles Times, Gemma Arterton revela que a ideia surgiu após algumas reuniões do movimento Time’s Up das quais ela participou: "Falamos sobre grandes problemas e sentimos que seria fantástico fazer alguma coisa mais leve e cômica, que passasse a mensagem ser bater na cabeça de ninguém. A sala estava cheia de mulheres criativas e belas então qual seria a melhor maneira de fazer a diferença... senão todas se reunindo e fazendo algo?"
Contando com a atuação de talentosas atrizes como Emilia Clark, Stacy Martin, Felicity Jones, Florence Pugh, Gemma Chan, Wunmi Mosaku, Lena Headey e Katie Leung, que interpretam elas mesmas, o curta surpreende os espectadores com seus diálogos cômicos porém muito pontuais em relação ao sexismo que muitas atrizes encontram durante audições para os papéis que esperam conseguir para atuar nos filmes. Trazendo riquíssimas discussões sobre racismo, gordofobia e sexualização dos corpos, o vídeo mostra o constrangimento e as situações complicadas que podem surgir de acordo com as exigências absurdas que fazem parte do padrão de “beleza” e “competência” esperado por muitos diretores e roteiristas. Arterton, Anthony Welsh e Catherine Tate, interpretam os diretores de elenco que exigem comportamentos e atitudes absurdas das atrizes, incluindo o uso de mais maquiagem, perda de peso, troca de etnia e até que fiquem completamente nuas. O plot-twist do filme é garantido pela presença do ator britânico Tom Hiddleston.

De acordo com Arterton, a pitada de humor no curta surgiu justamente para trazer mais consciência, já que as pessoas tendem a dar mais atenção para curtas bem humorados. Porém, ela deixa claro que trata-se de um assunto sério e portanto, tomou muito cuidado para achar um aspecto cômico específico que também gerasse uma maior reflexão. Em relação ao trabalho de bastidores, a atriz revela que gostaria de ter mais mulheres atrás das câmeras para realizar "Leading Lady Parts": "É algo como 98% da tripulação feminina”, disse ela. “Nós tivemos dois homens na tripulação e dois atores masculinos. Tem havido muita conversa sobre paridade de gênero com atrizes, diretores e roteiristas, mas a equipe também é muito importante. Queremos dar [às mulheres] mais oportunidades para esses empregos voltados para homens".
Além disso, ela revela que um curta como este é capaz de inspirar atitudes mais combatíveis em relação à situações absurdas as quais as atrizes são submetidas. “Para mim, como jovem ator, não me sentia confortável ou confiante o suficiente para ser capaz de me defender em situações em que alguém me dizia que precisava perder peso. O que eu gostaria de fazer é inspirar as pessoas a saberem que podem desafiar as coisas ou falar”, conclui.
Como o curta-metragem não está disponível com legendas em português no YouTube, você pode acompanhar os diálogos a partir da tradução exclusiva da produção, feita pelo Ela na Tela:
“Olá! Você deve ser…”
“Emilia”.
“Stacy”.
“Felicity, para o papel da dama”.
“Sou Florence, vou ler para…”
“O papel da dama. Sou Gemma”.
“E o que você achou do papel?”, pergunta uma das diretoras do elenco.
“Eu amei!”, diz Emilia.
“É um ótimo papel”, afirma Stacy.
“Eu a achei…”, começa Felicity.
“Incrível!”, Gemma completa.
Como você a enxerga?”, a outra diretora de elenco questiona.
“Ela era arrojada!”, garante Emilia.
“Arrojada?!”, contesta a outra diretora.
“Ela é corajosa!”, responde Stacy. E os diretores se mostram descontentes com a sua perspectiva.
“É ela quem comanda!”, continua Stacy.,
“Eu acho que ela é muito…”, começa Felicity.
“Obrigada, Deus!”, completa a diretora, esperando que Felicity vá dizer que ela é bonita, já que “pretty” em inglês pode significar o adjetivo “bonita” ou “muito”.
… Inteligente! Ela é muito inteligente”, termina Felicity que, ao reparar o desgosto dos diretores, pergunta: “Não é o que vocês pensaram, não é mesmo?”
“Bem… Inteligência não é bem o que esperamos ou ligamos para… nenhum pouco, na verdade. Você entende que este é o papel principal para a dama? Que tal começarmos a leitura?”
"É o que eu sempre quis… a chance de falar...." Emilia começa a leitura mas é interrompida.
“Tá bom, obrigada! Não sei se é bem o que queríamos. Tente de novo. Mas agora tente um pouco mais sorridente!”
Emilia fala que a cena fica trágica e sugere chorar. Então, a sugestão dos diretores de elenco é que a atriz chore de forma sensual e sexy.
Stacy faz a cena e o diretor diz: “Você não pode tentar com mais maquiagem?”. Ela pergunta: “O quê?". E a diretora do centro completa: “Ela precisa ser mais coradinha”.
Ela usa a maquiagem.
Felicity faz algo bem emocionante, visceral. Então, a pedem para ela tirar o blusão, sua blusa e "todo o resto".
Ela pergunta se é realmente necessário.
“É a personagem!"
Então ela responde: "Ela é uma médica!"
"Está muito quente no hospital!"
"No sul de Londres?", questiona Felicity.
Então, lhe respondem que suas roupas estão no caminho enquanto ela está tentando trabalhar.
Florence começa a atuar.
"Isso está ok, mas você não poderia ser mais magra?", questiona
Sem entender a atriz pergunta se é isso mesmo.
"Sim, mais magra. Você sabe: feminina, vulnerável, delicada, magra".
O homem completa: "Magra com curvas". Então a atriz pergunta: "O quê?"
E as mulheres complementam: “Sim, magra com peitos e quadril. Mas não um quadril muito grande!"
Então confusa, a atriz pergunta: "Desculpa, não estou entendendo. O que vocês estão me pedindo para fazer?"
"Nós só estamos te pedindo para ser magra e curvilínea. Sexy e inocente". Então ela pergunta: "Qual dos dois?". E o homem responde: "Ambos. Você sabe: virgem sexy!".
E a outra diretora complementa: "Magra sexy, prostituta virgem com peitos e quadril, mas não grande demais".
"Ela quer sexo. Mas não muito". E o homem completa: "Tipo, ela quer muito, mas pouco".
A diretora do centro termina: "Você sabe: mulher protagonista!"
Gemma Chan começa a atuar. Mas ela nem consegue começar a atuar e eles a interrompem. Então começam a deliberar cochichando na sua frente. Até que a atriz pergunta: "Está tudo bem?"
E a diretora do centro responde: "Sim. Você apenas poderia ser um pouco mais branca?"
Lena se apresenta para tentar o papel. Ela se aproxima para cumprimentar o homem. Ele se esquiva e diz: "Não.
“O papel é para protagonista mulher, não protagonista mãe da mulher".
A atriz ri sarcasticamente e garante "Eu sou uma mulher protagonista".
Mas eles insistem dizendo que ela não é, afirmando que ela é apenas uma mãe.
“Mãe!”, os diretores debocham.
“Vocês já viram meu IMDb?”, pergunta a atriz.
“Sim, você é uma mãe”, responde a diretora que está no centro.
"Sim, eu já interpretei algumas mães".
Mas eles continuam a interrompendo.
"Já interpretei uma mãe durona!", responde Lena.
"Continua sendo uma mãe", contestam.
E o homem completa: "Mas é gostosa!".
A mulher do centro concorda e eles começam a falar sobre. Lena os chama a atenção: “Eu consigo escutar vocês!".
Então a mulher chama a próxima atriz. Lena fica impressionada e se retira.
Uma das mulheres cochicha com a outra: “Menopausa!”.
Uma atriz negra se apresenta e uma das mulheres diz: “Nossa, graças a Deus!”. A atriz sorri e a diretora continua: ‘Estava louca para tomar um café”.
Ela pede cafés para a atriz, insinuando que ela esteja ali para servi-los.
"Na verdade estou aqui para fazer a leitura", garante a atriz Wunmi Mosaku.
"Não é esse tipo de filme", afirma uma das diretoras.
Então ela questiona: "Então que tipo de filme é?"
A outra diretora afirma: "Já entendi, te mandaram para a sala errada. A audição para "Pantera Negra - o retorno" é na outra sala”.
A atriz garante que está na sala certa, mas eles a ignoram e não a permitem ler. Até que ela se retira, após insistirem que ela traga café.
Sem uma atriz para o papel, os diretores se perguntam: "O que vamos fazer?". Então deliberam sobre o que viram, até então: "Aquela primeira é grande no Instagram", "Sim, mas ela era muito “méh”".
"Pois é, acho que não achamos a escolhida ainda".
“Não”’.
Até que a diretora do centro chama uma auxiliar para saber se todas as audições já foram feitas. E a garota afirma que sim.
“Na verdade, eu gostaria de ler. Eu acabei de começar…”, sugere Katie Leung, mas ela é interrompida:
“OLHE PARA O MEU ROSTO!”, a diretora é enfática, deixando claro que ela nunca poderia fazer a leitura por não estar dentro dos exigentes requisitos.
“Desculpe! Acredito que exista mais uma audição”, afirma e se retira. Os diretores se mostram animados.
Surge então, a última tentativa, do ator Tom Hiddleston.
“Olá. Eu sou Tom e estou aqui para fazer a leitura do papel principal para a dama”.
Ele nem precisa ler a fala, e simplesmente ganha o papel.
“Ótimo!”, ele afirma.
Ao final, Gemma Chan anda em um corredor conversando sobre as audições: “Sim, acho que fui bem!”. E ao fundo é possível ver Tom Hiddleston nos pôsteres de filmes que, na realidade, são interpretados por protagonistas mulheres: “Mary Poppins” interpretado por Emily Blunt, “Mulher Maravilha” interpretado por Gal Gadot e “La La Land” interpretado por Emma Stone. Ao final, Gemma conclui sua conversa concordando "Me too, me... too!" (“Eu também, eu… Também!”), fazendo alusão ao movimento “#MeToo” contra o assédio e agressão sexual na indústria.
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