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Mad Max: Estrada da Fúria

Direção: George Miller

Ano: 2015
 

Gênero: Ficção científica, ação

Duração do filme: 2h
 

Passa no teste de Bechdel: Sim

Warner Bros. Entertainment

     Mad Max: Estrada da Fúria é um filme australo-estadunidense dos gêneros ficção científica e ação, dirigido por George Miller e escrito por ele, Brendan McCarthy e Nico Lathouris. O universo distópico de Mad Max surgiu em 1979 com o lançamento do longa “Mad Max”, seguido por “Mad Max 2: The Road Warrior”  de 1981, e “Mad Max Beyond Thunderdome” de 1985. A série conta a história de Max Rockatansky (interpretado por Mel Gibson nos primeiros filmes), um policial rodoviário que vive num futuro pós-apocalíptico num ambiente repleto de perigosas gangues de motociclistas. O nome “mad”, que significa “louco” se dá devido aos acontecimentos trágicos que acabaram com a paz e a sanidade de Max. Episódios brutais envolvendo sua família e um amigo próximo foram responsáveis pelo comportamento desconfiado e fechado. Ele prefere andar sozinho e quer vingança, mas ainda que seja um justiceiro nômade durão, ele age com dignidade e um forte senso de justiça, ainda que isso lhe custe seus tão preciosos momentos de solidão e reflexão.

     A saga de Max é considerada um marco nos filmes de ficção científica pela criatividade da narrativa, a ambientação distópica e a qualidade da produção. Já Mad Max: Estrada da Fúria especificamente, foi considerado um dos melhores filmes de 2015, foi muito elogiado pela crítica mundial e até mesmo aclamado no 68º Festival de Cinema de Cannes onde foi exibido, ainda que não estivesse dentro da competição oficial. Trazendo uma temática com novas perspectivas, personagens e relações entre os papéis, o filme traz críticas sociais sobre o estado de guerra, a devastação dos recursos naturais, a tirania em prol de mentiras e principalmente, as mais diversas circunstâncias de servidão e exploração vividas por muitas mulheres, algo que ainda não havia sido retratado antes no universo “másculo”, repleto de homens agressivos e carros pesados de Max. Nos anos 80, não havia muito protagonismo feminino em papéis centrais, principalmente em filmes de ação. Atores como Schwarzenegger, Chuck Norris, Van Damme, Charles Bronson, Stallone, Van Damme e Harrison Ford dominavam as telas em filmes cheios de testosterona e explosões. O quarto filme da saga de Mad Max, que de acordo com Miller é um “episódio da vida de Max” e não uma continuação, traz não somente o protagonismo feminino, através da personagem Imperatriz Furiosa, como também traz pautas em um tom claramente crítico sobre uma realidade de abusos e submissão ainda vivida por muitas mulheres. Os avanços das pautas do feminismo, que vêm ganhando mais destaque ao longos dos últimos anos, certamente contribuíram para que estas temáticas fossem trabalhadas no longa, afinal, falar sobre feminismo é tentar compreender e resolver problemáticas como a exploração sexual, por exemplo.

     Com um orçamento de 150 milhões de dólares, o longa arrecadou cerca de US$ 378 milhões em bilheteria mundial, de acordo com o site Box Office Mojo, que avalia as bilheterias ao redor do mundo. Acelerado e com muita ação, o enredo do filme foi criado antes mesmo do roteiro, onde não há muito espaço para diálogo e não são necessárias muitas explicações para que os espectadores sejam levados pela narrativa. Com pouco uso de recursos como CGI, o longa impressiona com a beleza dos efeitos visuais e sua fotografia marcante: mais de 80% dos efeitos especiais vistos no filme foram feitos através de maquiagem, dublês e diferentes cenários. Vencendo seis dentre as dez indicações que recebeu ao Oscar 2016, o filme foi reconhecido por Melhor Figurino (pelo trabalho de Jenny Beaven), Melhor Mixagem de Som, Melhor Direção de Arte, Melhor Edição de Som, Melhor Maquiagem e Penteado e Melhor Montagem, feita por Margaret Sixel. É importante lembrar que, George Miller chamou sua esposa Margaret Sixel para fazer a montagem pois, conforme ele comentou durante o 68º Festival de Cinema de Cannes, ele sabia que ela faria um ótimo trabalho inovador e que se chamasse um homem para fazê-lo, a montagem de seu filme seria como a de qualquer outro filme de ação. Contando com um guitarrista que acompanha a gangue de Immortan Joe como um regente do caos - The Doof Warriorf, que é interpretado pelo artista australiano iOTA -, e uma trilha sonora arrebatadora  do holandês Tom Holkenborg – conhecido como Junkie XL, o longa mantém o ritmo frenético e toda a tensão que ele carrega numa constante experiência sinestésica neste episódio da vida de Max.

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Jenny Beaven, responsável pelo figurino do longa, subiu ao palco para receber seu prêmio usando uma belíssima jaqueta de couro customizada, quebrando os banais códigos de gala da premiação. | Foto por: Dan MacMedan/WireImage; Kevin Winter/Getty Images

     Durante a conferência do 68º Festival de Cinema de Cannes, o ator Tom Hardy recebeu a bizarra pergunta de um repórter: "Lendo o roteiro, você não pensou "O que todas essas mulheres estão fazendo aqui? Achei que este seria um filme de homens!" ". Hardy calmamente respondeu: "Não. Nem por um minuto. Isso é até meio óbvio”. Com a resposta brilhante, a platéia aplaudiu e ele continuou num tom apaziguador: “Mas também, seria legal ter um roteiro, já que este é um luxo que não tivemos", brincou o ator. O que para alguns parece absurdo (como o repórter que fez a pergunta), para outros, assim como o elenco e muitos fãs de cinema, o que Mad Max: Estrada da Fúria entrega em relação a participação e representação feminina é extremamente empolgante, inovador e produtivo em relação às outras produções blockbuster. A atuação de Imperatriz Furiosa na história de Mad Max é com certeza um marco no cinema, a personagem que não segue o padrão estético hollywoodiano tem um propósito maior do que qualquer aparição mínima que serviria apenas para “embelezar” a narrativa. Dirige caminhões enormes, luta bravamente com ou sem prótese, já que teve seu braço decepado e ainda cria estratégias brilhantes para garantir a efetividade de seus planos: Furiosa tem como objetivo libertar mulheres da repressão e da tirania exploratória em que vivem. Protagonista tanto quanto Max (em alguns momentos até mais do que ele), ela traz ação e um senso de justiça impressionantes para aquele mundo que há muito tempo parecia perdido. Ambos trabalham juntos até o final da história, se apoiando e mantendo uma relação de respeito mútuo admirável: não existe química romântica ou tensão sexual entre os dois. A participação de Furiosa é complementar e trata-se muito mais do que uma possível trama romântica (como acontece em “Caça Fantasmas” e “Vingadores”, por exemplo) ou meio de desenvolvimento da história do protagonista homem (como por exemplo ocorre em “Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança”), ela é a personagem responsável por dar dinamismo à narrativa. Com cabelos raspados, um figurino simples (ela usa roupas confortáveis que são próprias para os conflitos que a aguardam), sem o braço esquerdo e raramente sorrindo, isto é, quando ela realmente quer sorrir, já que seu semblante é sempre muito sério e focado, a mulher traz um diferencial do que geralmente é trabalhado em Hollywood, e principalmente nos filmes blockbusters.

     Além da presença icônica de Furiosa, o longa conta com críticas sociais muito fortes, seja através de metáforas cênicas, nas quais é possível ver as mães de leite serem exploradas como “éguas reprodutoras” já que a maternidade é mostrada como uma forma de exploração, como se as mulheres tivessem a única função de parir, outras críticas são trabalhadas de formas mais profundas e escancaradas. É o caso das “Cinco esposas” de Immortan Joe: trata-se de cinco meninas jovens que foram escolhidas por ele pela sua aparência para dar luz a seu futuro herdeiro. Elas são apresentadas como mulheres bonitas, magras, ingênuas e inocentes. São figuras virginais, assustadas e exaustas dos abusos do tirano e de certa maneira, ainda representam a realidade de muitas mulheres. De acordo  com o Relatório Global sobre Tráfico Humano 2018, apresentado pela ONU (Organização das Nações Unidas), em que cerca de 24 mil casos documentados em 2016 em 142 países foram analisados, a exploração sexual (59%) continua sendo o crime mais comum do século XXI, a seguir vem o trabalho forçado (34%). Além disso, foi constatado que mais de 70% das vítimas globais de tráfico humano são mulheres e meninas. Enquanto 72% das meninas são exploradas sexualmente e 21% são submetidas a trabalhos forçados, 50% dos meninos sofre com a escravidão e 27% são explorados sexualmente (sem contar os casos que ainda não foram descobertos). Os principais meios onde o crime acontece são zonas de conflito, onde grupos armados que espalham o terror e a barbárie utilizam a exploração sexual como ferramenta de guerra para difundir sua força sob a população.

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Além de ser uma protagonista combativa, Furiosa traz uma representatividade ainda maior às telas por ser uma mulher com deficiência. Em momento algum ela é diminuída ou colocada como incapaz, muito pelo contrário. Suas cenas são sempre impressionantes e inspiradoras. | Foto por: Warner Bros. Entertainment

     Os figurinos das esposas são literalmente tecidos leves e finos envolvidos em seus corpos, que lhe conferem uma figura sexualizada e marcada pela exploração que vivem, além disso, elas usam cintos de castidade, outro elemento que marca sua repressão: são sexualmente abusadas e não podem ter controle sobre a própria libido. A prática do uso do cinto é antiga, no Decreto de Graciano, um texto do século 12 sobre a doutrina religiosa, é possível ver uma mulher usando a ferramenta de castidade. Mas apesar do uso do cinto felizmente não ser comum nos dias de hoje, outras estratégias são usadas para controlar a sexualidade feminina. De acordo com a ONU, a mutilação genital feminina ainda é uma realidade para cerca de 200 milhões de meninas e mulheres. E ainda que a prática seja mais comum no Oriente Médio e na África, em média 30 países apresentam este crime, também acontece em outros continentes, com a finalidade de mantê-las “puras”.

     Por fim, apesar de possuir alguns clichês estéticos, os personagens possuem profundidades diferentemente notórias. As esposas, ainda que na situação de submissão, que são os “tesouros” e a cobiça do tirano Joe são um arquétipo mais próximo das modelos de passarela, são magras, belas e sensuais, mas ainda assim trazem uma diversidade evidente para o filme, pois apesar do padrão corporal são de etnias diferentes. Já as mães de leite são todas retratadas através de mulheres gordas, talvez para exprimir certa “fartura” para a cena, salientando a exploração. Com toda certeza, uma mulher gorda poderia sim ser umas das esposas, assim como uma mulher magra na cena das mães de leite também traria impacto suficiente, mas os estereótipos de corporalidade ainda são uma barreira a se enfrentar nas filmografias. As mulheres do Vale Verde são mais velhas e quebram totalmente os estereótipos de Hollywood. Seu visual é descolado, são extremamente corajosas, inspiradoras e valentes.  Além de que são responsáveis por trazer uma força diferente para o desfecho da história, certamente determinante para sua conclusão. Há também Furiosa que, ainda que possua um pouco do estereótipo hollywoodiano de “mulher forte”, isto é, uma aparência andrógina, com visual mais masculinizado, é uma personagem notoriamente muito bem desenvolvida. Suas motivações arrebatam o público, seu passado é retratado de maneira satisfatória e suas camadas trazem uma profundidade diferente para o filme. Como espectadora, me senti contemplada assistindo um filme com tanta ação retratar pautas tão essenciais de serem discutidas. Ainda mais tendo como protagonista uma personagem como a Furiosa, que além de trazer cenas impressionantes, possui uma história muito interessante e até mesmo revolucionária, e nos contempla com sua personalidade fascinante e inspiradora. A resolução final com o apoio das mulheres do Vale Verde, unidas às esposas, Furiosa, Max e Nux, contra a tirania de Immortan Joe é certamente uma das cenas mais expressivas e representa muito bem a real igualdade que precisamos alcançar.

Você pode conferir a análise fílmica completa de "Mad Max: Estrada da Fúria" clicando no logo abaixo:

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