
Miramax
Kill Bill: Volume 1
Direção: Quentin Tarantino
Ano: 2003
Gênero: Ação
Duração do filme: 1h52m
Passa no teste de Bechdel: Sim
Kill Bill teve uma recepção favorável por parte da crítica especializada, sendo muito elogiado pelo uso criativo de técnicas cinematográficas, por sua estética, edição e estilo único que, mesmo envolto de tanto sangue e violência, prende os espectadores a narrativa do início ao fim. No Metacritic, por exemplo, alcançou uma pontuação de 69%, com base em 43 avaliações profissionais. Composta de muitos gêneros musicais, sua trilha sonora é aclamada pela originalidade. Foi produzida e organizada por RZA, integrante do Wu-Tang Clan, um grupo americano de hip hop hardcore. Indicada ao Grammy 2004 por “Melhor Trilha Sonora - Cinema/TV”, além das próprias produções do grupo, a trilha é muito eclética, vai do pop-rock country de Nancy Sinatra, ao rock de Tomoyasu Hotei, passa pelo R&B de Quincy Jones, vai até o pop-disco latino de Santa Esmeralda, permeia os temas de faroeste, dentre outros estilos. Além disso, o longa foi indicado ao BAFTA 2004 pelas seguintes categorias: "Melhor Atriz" (Uma Thurman que, também foi indicada ao Globo de Ouro daquele mesmo ano), "Melhor Trilha Sonora Original", "Melhores Efeitos Visuais", "Melhor Montagem" e "Melhor Som".
Além de ser uma característica presente nos filmes do diretor, a violência que sustenta a trama ao longo do filme, nada mais é do que a representação de toda raiva, angústia e sofrimento guardado pela Noiva durante os quatro anos em que esteve em coma. Apesar de já ter mudado de vida, se afastando do grupo, engravidando e construindo uma família, ela não foi poupada da crueldade de Bill que, decidiu matá-la em seu casamento de forma brutal. E apesar de utilizar a rivalidade feminina como um dos instrumentos de desenvolvimento da narrativa, o filme traz a tona importantes questões como a violência doméstica, abuso sexual, abuso psicológico, machismo pedofilia e obviamente, o protagonismo feminino. A história da violência sofrida pela Noiva é só um exemplo ficcional da realidade de milhares de mulheres que sofrem com a violência doméstica. Além disso, a citação dos estupros sofridos por ela e outras mulheres no hospital durante a narrativa, também é um ponto de verossimilhança com a realidade. Segundo a ONU, 7 em cada 10 mulheres no mundo já foram ou serão violentadas em algum momento de suas vidas. Além disso, de acordo com a Thomson Reuters Foundation, departamento filantrópico do conglomerado de mídia Thomson Reuters, uma a cada três delas é uma vítima de violência física ou sexual, enquanto pelo menos 750 milhões de meninas se casaram antes de completar 18 anos de idade. No filme, o abuso psicológico sofrido pelas mulheres que estão no grupo de extermínio de Bill se reflete no modo passivo-agressivo como ele as trata. Esta é uma maneira de mostrar quem manda, mas de uma forma menos explícita que não as afaste e que as faça se sentir especiais e acolhidas, apesar de suas tarefas brutais de cometer crimes e assassinatos impiedosos.

Ao lado do diretor Tarantino, Uma Thurman também posa ao lado do produtor Harvey Weinstein, produtor do filme e de diversas outras produções em Hollywood. Ele foi acusado por inúmeras mulheres da indústria por assédio e abuso sexual, e posteriormente, também pela protagonista de Kill Bill. A prova viva de que a realidade mostrada pelo filme é mais real do que parece, refletindo-se até mesmo por de trás das câmeras, infelizmente. | Foto por: Getty Images
Apesar da protagonista ter como objetivo principal matar Bill, a narrativa também serve para sua jornada de autoconhecimento. Ela descobre seus limites, acessa memórias do passado e vai aprendendo mais sobre ela mesma e todos ao seu redor a partir das suas próprias motivações. E ainda que as mulheres do grupo de extermínio mantenham uma relação de subordinação ao chefe Bill, elas são lutadoras muito determinadas, talentosas, precisas e inteligentes. Por exemplo, O-Ren Ishii trilhou seu caminho para conquistar sua posição como a principal mandante do crime em Tokyo, apesar do ambiente conservador e machista em que vivia, além disso, é possível conhecer o seu passado e a sua trajetória, bem como acontece com grande parte do elenco feminino. A Noiva é uma mulher muito inteligente, sagaz, persistente e perspicaz. Os espectadores certamente são inseridos na sua jornada, seja comovidos por sua história, impressionados com a sua determinação ou simplesmente por pura curiosidade em acompanhar o seu desfecho. Mas é fato que trata-se de uma personagem interessantíssima, bem desenvolvida e que dá gosto de assistir na tela. Outro ponto importante é a diversidade e representatividade, afinal, existem mulheres de diversas etnias no longa, o que certamente dá uma maior pluralidade à narrativa. Vernita por exemplo, é uma mulher negra, ela é mãe e em nenhum momento ela é vulnerabilizada por ter uma filha, muito pelo contrário, ela é protetora, muito competente e habilidosa. Afinal, é muito comum assistir filmes em que mães são colocados como criaturas calmas, pacificadoras, que são basicamente reduzidas à maternidade.
Elle e Sofie Fatale por sua vez, são totalmente submissas à Bill, além disso, ambas são retratadas na tela com um pouco mais de sensualidade, como femme-fatales (como o próprio nome de Sofie indica) que utilizam da sensualidade constantemente, apesar de em momento algum serem hipersexualizadas por algum enquadramento. Elas são os exemplos mais expressivos da submissão, dos relacionamentos tóxicos e os abusos psicológicos, pois são as únicas que ainda mantém contato com ele. O-Ren e Vernita já não estão mais no grupo, elas apenas lutam com a Noiva pois são enfrentadas. Mas Elle e Sofie Bill são controladas por ele constantemente, seja definindo suas ações ou delineando suas trajetórias de acordo com seus desejos próprios, ainda que durante as cenas de luta elas se mostrem mulheres muito independentes e decididas. Como espectadora, posso afirmar que em certos momentos, é angustiante ver as agressões as quais as mulheres são expostas por homens como o enfermeiro do hospital e o homem que o paga para estuprar a Noiva, bem como Bill, seu sadismo, crueldade e falta de qualquer arrependimento pelo que fez à protagonista e continua fazendo com as outras integrantes do grupo. Por isso, as reviravoltas, os momentos em que as mulheres se mostram no controle da situação e os diálogos são respiros diante de tanta brutalidade. Enxergo o longa como uma narrativa muito singular, interessante e como um bom ponto de partida para a representação do protagonismo feminino, afinal, as personagens são fascinantes e seus percursos diante da narrativa são intrigantes. É inspirador ver mulheres tão poderosas em cenas de combate, bem como entender suas trajetórias e motivações, principalmente a da protagonista que ressurge como uma Fênix, ainda que nem todas tenham esta mesma oportunidade. No entanto, é importante pontuar como a presença masculina ainda como ponto principal, é capaz de perpetuar uma visível forte rivalidade feminina.
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