As denúncias de assédio e os movimentos feministas refletem a necessidade de mudança em Hollywood
- Giovana Costa
- 10 de nov. de 2019
- 7 min de leitura
Atualizado: 29 de jan. de 2020
As acusações de abusos, a desigualdade salarial e a discrepância entre os gêneros geraram importantes alertas sobre a indústria do cinema.

Inúmeras acusações de assédio, violência sexual e abusos foram denunciadas contra profissionais da indústria do cinema em outubro de 2017. A polêmica envolvendo diretores, roteiristas, atores, entre outros profissionais gerou muita revolta e também importantes mobilizações acerca das questões de igualdade de gênero em Hollywood. Dentre as denúncias, a situação mais chocante envolve o relato de mais de 30 mulheres que denunciaram o produtor Harvey Weinstein, acusado de ter cometido assédios entre 1980 e 2015. Ele ainda revelou para o jornal Wall Street Journal, em maio deste ano, que fechou acordos com as supostas vítimas para deter todas as ações civis, num valor que totaliza 44 milhões de dólares. Em setembro, Weinstein será julgado criminalmente por duas acusações de agressão sexual. Dentre as mulheres que o denunciaram estão as atrizes Lupita Nyong’o, Angelina Jolie, Rose McGowan, Cara Delevingne, Gwyneth Paltrow, Rosanna Arquette, dentre outras profissionais da produção. Em entrevista ao The New York Times, a cantora Madonna afirmou que também foi vítima de assédio de Weinsten. Ela revelou que o caso aconteceu em 1991, durante as gravações do documentário “Na Cama Com Madonna”. "O Harvey passou todas as fronteiras e limites e foi incrivelmente insinuante e sexualmente direto comigo quando trabalhávamos juntos", revelou. Outro caso impactante, que até mesmo já é discutido há alguns anos é o do diretor Woody Allen. Acusado de abuso sexual em 2014 por sua filha Dylan Farrow, o acontecimento envolvendo o cineasta veio à tona após a repercussão de outras denúncias. Dylan, por sua vez, recebeu o apoio de diversas atrizes como Natalie Portman e Rebeca Hall, que inclusive já afirmaram que não pretendem trabalhar com Allen no futuro.
As denúncias envolvendo Weinstein não foram somente polêmicas, elas também contribuíram com a mobilização de mais pessoas, já que outros nomes começaram a surgir, todos envolvidos em assédios. Com a repercussão da mídia, logo os casos foram aparecendo. O diretor e roteirista James Toback, por exemplo, foi acusado de ter relações sexuais não consentidas com ao menos 38 mulheres. A publicação do jornal Los Angeles Times sobre o caso, trouxe à tona cerca de 200 denúncias de mulheres que relataram mais abusos cometidos pelo cineasta. Produtor de “O Regresso” e diretor do filme “X-Men: O Confronto Final”, Brett Ratner foi acusado por seis mulheres de violência sexual, dentre outros abusos. Além disso, o renomado diretor Roman Polanski também é citado, o que na realidade não é uma novidade, já que há quatro décadas o cineasta tem problemas com a justiça devido a acusações de pedofilia. Acusado de ter mantido relações sexuais com Samantha Geimer em 1997, Polanski teria cometido o crime contra a menina quando ela tinha apenas 13 anos. Além dos cineastas, outros homens da indústria foram acusados por assédio sexual, como o humorista Bill Cosby, e os atores Dustin Hoffman, Ben Affleck, Kevin Spacey e James Franco. Além do fotógrafo Terry Richardson, o chefe de animação da Disney, John Lasseter, o empresário Dave Holmes, o apresentador da rede de televisão CBS Charlie Rose, entre outros.

Toda a situação gerada pelas denúncias também foi responsável por levantar importantes problemas na indústria: as mulheres inclusive se posicionaram sobre a diferença salarial. Pois, tanto no cinema, quanto na televisão, ainda que elas estejam em cargos iguais ou posições similares aos seus colegas de profissão homens, as mulheres ainda recebem menos do que eles. É o caso da atriz Michele Williams que, atuando ao lado do ator Mark Wahlberg no longa “Todo Dinheiro do Mundo”, recebeu U$ 1.000 para regravar algumas cenas,, enquanto Walhberg recebeu US$ 1,5 milhão para fazer o mesmo. A situação chamou muita atenção pois Michele é uma atriz aclamada por seus trabalhos. Sendo que, ela já foi indicada ao Oscar quatro vezes, enquanto Mark só foi indicado duas vezes. Ou seja, se a questão realmente fosse talento ou reconhecimento, a atriz não teria passado por essa discrepância. Em 2016, em entrevista à revista Marie Claire, Natalie Portman também manifestou problemas da mesma natureza. Ela afirmou que recebeu três vezes menos do que seu parceiro de cenas Ashton Kutcher, na comédia romântica “Sexo Sem Compromisso” (2011), dirigido por Ivan Reitman. “Comparado a homens, em muitas profissões, mulheres ganham 80 centavos em relação a 1 dólar. Em Hollywood, estamos fazendo 30 centavos em relação a 1 dólar”, revelou a atriz. A questão salarial também acontece com as diretoras. Patty Jenkins por exemplo, recebeu 1 milhão de dólares para dirigir o filme “Mulher-Maravilha”, enquanto o diretor Zack Snyder recebeu estimadamente 10 milhões de dólares por “Liga da Justiça”, o filme que retrata o grupo de super heróis do qual Mulher Maravilha faz parte.
Todas essas condições somadas foram suficientes para que os posicionamentos contra as desigualdades em Hollywood surgissem e fossem traduzidos em poderosos movimentos. Uma das primeiras mobilizações aconteceu no Twitter, com o surgimento da hashtag #MeToo (“eu também”, em tradução do inglês), através de um tweet da atriz Alyssa Milano. No tweet, ela pedia às mulheres que já tivessem sofrido qualquer tipo de abuso que lhe respondessem com a expressão “me too”. A frase foi usada nesse sentido pela primeira vez por Tarana Burke, uma ativista dos direitos humanos americana, em 2006. Em 2015, ainda que timidamente, surgiu a campanha #AskHerMore (do inglês, "pergunte-a mais"), com o objetivo de incentivar entrevistadores a fazer perguntas às atrizes e cineastas mais contundentes do que perguntar o que estavam vestindo nos tapetes vermelhos. Afinal, não existem justificativas plausíveis o suficiente para limitar mulheres talentosas, com projetos e produções incríveis, à perguntas superficiais sobre seus glamourosos vestidos. É importante lembrar que 2015 foi um ano importante sobre as discussões sobre a desigualdade de gênero em Hollywood, pois apesar das mulheres constituírem cerca de metade da população mundial, elas não ocuparam os papéis de roteiristas, diretoras, produtoras, cinegrafistas ou editoras em um terço dos principais filmes de 2015. Como desdobramento surgiriam manifestações sobre a questão nas premiações: é o caso da atriz Patricia Arquette. Quando levou o prêmio de "Melhor Atriz" por "Boyhood" no Oscar 2015, ela fez um discurso inspirador sobre a igualdade de direitos: “Dedico esse prêmio a toda mulher que já deu à luz, todo cidadão que paga impostos, nós lutamos pelos direitos de todo mundo. É nossa vez de ter salários igualitários para todos e direitos iguais para as mulheres nos Estados Unidos”, afirmou.

Além do “#MeToo”, outro movimento que ganhou espaço em 2019 foi o “Time’s Up” (“acabou o tempo”, em tradução livre). Foi organizado por diversas mulheres da indústria, desde diretoras, atrizes, até produtoras e figurinistas (entre outras) que sofreram algum tipo de assédio ou abuso. O objetivo é dar atenção aos problemas vividos pelas mulheres da indústria, alertando sobre as diferenças salariais, o machismo da indústria e as violências sexuais sofridas pelas mulheres diariamente, seja dentro ou fora do cinema. A mobilização foi tamanha, que conseguiram suporte o suficiente para arrecadar 21 milhões de dólares, destinado para auxiliar legalmente outras mulheres que queiram denunciar seus casos de assédio. Ainda que existam pessoas que acreditam num “puritanismo excessivo” por parte dos movimentos, como é o caso das cem artistas e intelectuais que assinaram um artigo no jornal francês ‘Le Monde’ criticando a ‘criminalização’ das cantadas. A atriz francesa Catherine Deneuve por exemplo, foi uma das porta-vozes do grupo que defende a liberdade dos homens de “importunar” a favor de uma suposta liberdade sexual. “Não nos reconhecemos neste feminismo que, para além de denunciar abusos de poder, encarna um ódio aos homens e à sexualidade”, declarou a atriz. Porém, além do valor de 21 milhões de dólares arrecadados, o movimento “TimesUp” foi repsonsável por também trazer muita visibilidade para a situação, principalmente nas premiações. Na 75ª edição do prêmio Globo de Ouro, a maioria das pessoas usou preto, assim como broches com a frase “Times Up!” para representar o movimento e as indignações. Além disso, pequenas situações abordaram o assunto, como quando a atriz Natalie Portman provocou ao anunciar o prêmio de Melhor Diretor: "E aqui estão todos os homens indicados", citando a falta de representação feminina na disputa.
Vale lembrar que dentro dos noventa anos de história do Oscar, poucas mulheres foram reconhecidas pelo prêmio. Estranha (pela demora) e felizmente (pela mudança), a 90ª edição do Oscar trouxe dados importantes (além da maioria das narrativas conterem histórias centralizadas em mulheres): a atriz chilena Daniela Vega, protagonista do filme “A mulher fantástica”, vencedor do prêmio de Melhor Filme Estrangeiro, foi a primeira mulher transexual a participar da cerimônia do Oscar. Greta Gerwig, diretora e roteirista do longa “Lady Bird – A hora de voar”, foi a quinta mulher indicada ao prêmio de “Melhor Direção”, enquanto, Rachel Morrison, diretora de fotografia do drama “Mudbound: Lágrimas sobre o Mississipi” foi a primeira mulher indicada ao prêmio de “Melhor Fotografia”. Pela mesmo longa, a roteirista Dee Rees foi a primeira mulher negra a ser indicada na categoria de melhor roteiro adaptado, enquanto a atriz, cantora e compositora Mary J. Blige foi a primeira pessoa indicada por atuação e canção no mesmo ano. Ao todo, entre os 199 indicados em 2018, apenas 46 mulheres concorreram ao prêmio, além disso, não haviam indicações femininas aos prêmios de melhores efeitos visuais, melhor edição de som e melhor trilha sonora original. Certamente, esses fatores inspiraram a vencedora do prêmio de Melhor Atriz, por “Três Anúncios Para Um Crime”, Frances McDormand finalizou seu discurso com as palavras inclusion rider. Trata-se de uma cláusula que pode ser incluída nos contratos dos atores e atrizes, que exige que o elenco e a equipe de uma produção sejam compostos por pelo menos 50% de mulheres, negros, LGBTQ+’s e outras minorias. O que se observa em relação a essas questões serem constantemente pautadas pela mídia, é um mínimo progresso, já que no Oscar 2019 por exemplo, a premiação bateu seu recorde em relação ao reconhecimento de mulheres que, levaram 15 estatuetas e de profissionais negros, sendo que sete foram premiados.
Os números ainda são baixos, mas o que se espera é que essas mudanças sejam capazes de trazer mais transformações significativas e que a cada dia mobilizem mais pessoas, para que as mulheres possam ocupar seu espaço e que possam usar suas vozes para ser quem são, exercendo sua profissão com dignidade e igualdade. Assim como outras minorias possam também se expressar e terem suas narrativas em destaque.
Comments