Crítica | "Adoráveis Mulheres" (2019)
- Giovana Costa
- 3 de fev. de 2020
- 4 min de leitura
“As mulheres têm mentes e almas, além de apenas corações, e têm ambição e talento, além de apenas beleza. E eu estou cansada das pessoas dizendo que o amor é tudo para uma mulher”.
- Jo March

A adaptação para o cinema surgiu do livro escrito por Louisa May Alcott (1832-1888), "Little Women", um clássico da literatura americana. Felizmente, com uma tradução não tão literal, o longa dirigido por Greta Gerwig levou o nome de "Adoráveis Mulheres" aqui no Brasil, título que traz a essência de suas protagonistas. A história foi publicada em 1868 e acompanha a trajetória das irmãs March: quatro jovens meninas que moram em Massachussets, nos Estados Unidos, em meados do século 19. Um dos aspectos mais interessantes da narrativa é a maneira como a relação entre elas se dá, partindo do pressuposto de que cada uma possui distintas aspirações e uma personalidade própria. Além de todo o amor que nutrem entre si, e constantemente, lhes cerca e dá o apoio necessário para lidar com as adversidades que a vida adulta traz.
Interpretada por Emma Watson, Meg é uma jovem mais voltada para os hábitos tradicionais, vaidosa e encantada pelos pomposos bailes. Ela é preocupada com suas irmãs e sonha em construir uma família, ainda que demore um pouco para se descobrir. Amy, que é interpretada com maestria por Florence Pugh, é uma jovem de personalidade, gosta de se impor, tem talento para as artes, é vaidosa e apesar da imaturidade quando jovem, conquista todos com seu carisma e jeito atrevido de ser. Beth (Eliza Scalen), é mais introspectiva, gosta de encher a casa com graciosas melodias proporcionadas por sua maior paixão: tocar piano. Ela é uma jovem doce, disciplinada e calma, e apesar de ter um arco de importância no longa, suas ambições não recebem tanto destaque, o que acaba distanciando-a um pouco do público. Jo é a personagem principal (Saoirse Ronan, que já havia trabalhado com Greta em “Lady Bird: A hora de voar”, brilha neste papel), ela é uma jovem determinada, independente e destemida. Ela adora ler, e apesar de se divertir sendo “o ponto fora da curva’, sua maior preocupação é sustentar sua família. Enquanto seu maior sonho é ser escritora. E é exatamente a partir de sua escrita, que surge a reflexão sobre a trajetória das mulheres, num tempo de conservadorismo, bons costumes, casamentos baseados nas condições financeiras, obediência e repressão editorial. As irmãs moram com sua mãe, , interpretada por Laura Dern, uma mulher muito carinhosa, altruísta e compreensiva, que inclusive guarda certa melancolia e preocupação em seu olhar doce, enquanto seu zeloso e saudoso pai (Bob Odenkirk), está na Guerra Civil Americana.

Levando em conta que a narrativa já foi adaptada diversas vezes para a rádio, televisão e para as telas do cinema, o grande desafio de Greta Gerwig foi fazer uma produção diferente, mas que refletisse a essência da história. Ainda que fosse possível inovar, tratar da dificuldade das mulheres em trilhar seus próprios caminhos sem a necessidade de pedir concessões ou autorizações num período retrógrado, fazer a transposição cinematográfica da história mostrou-se um desafio meramente técnico. Pois o tema, infelizmente, ainda possui similaridades com o presente. A diretora precisou pensar em maneiras de retratar a narrativa de maneira que respeitasse o clássico de Alcott, num momento atual em que a discussão sobre emancipação feminina está em seu ápice. Fenômeno que também se reflete na produção cinematográfica, quase que numa reflexão metalinguística (apesar de alguns contratempos). O resultado é uma montagem muito impressionante, onde a história é contada de forma não-linear e o ousado passeio no tempo, permite que o espectador viva com nostalgia o passado alegre, colorido e lúdico da infância das meninas, ao passo que, também retrata o presente mais realista, com mais amadurecimento, dificuldades e dúvidas (momento que traz os diálogos mais profundos da trama). Gerwig claramente acertou na técnica.
O ritmo acelerado, os diálogos rápidos e o todo o movimento presente nas cenas dão um tom jovial e muito vivo para a narrativa. Tanto nas belíssimas cenas de dança, quanto nas brincadeiras das irmãs ou nas discussões mais fervorosas, dentre as tantas que envolvem Laurie. Ele é o misterioso e cheio de charme, jovem vizinho abastado das garotas, interpretado por Timothée Chalamet, que também já havia trabalho com Gerwig em “Lady Bird”, em um outro papel enigmático. A fotografia, as cores e os enquadramentos, por sua vez, surpreendem trazendo diferentes nuances que traduzem as emoções e expectativas das personagens, através do excelente trabalho do diretor de fotografia francês Yorick Le Saux. Já Alexandre Desplat, o compositor da trilha sonora, quando perguntado em uma entrevista à Billboard sobre a dificuldade de lidar com a montagem não linear, revelou: "Na verdade, foi mais emocionante, porque não há reviravoltas, e sim, momentos. E há uma continuidade na forma em como escrevi a música e montei a orquestra. Os momentos se encaixam na melodia ou no som. É emocionante ver um filme com uma narrativa tão ousada". Realmente, é inegável que a ousadia da temporalidade alinhada aos figurinos de Jacqueline Durran, a teatralidade das atuações e a emoção dramática da trilha dão um toque diferente ao clássico.
O longa foi indicado ao Oscar 2020 nas categorias “Melhor Filme”, "Melhor Roteiro Adaptado", "Melhor Figurino" e "Melhor Trilha Sonora Original". Enquanto Saoirse Ronan e Florence Pugh foram indicadas as categorias “Melhor Atriz” e “Melhor Atriz Coadjuvante”, respectivamente. Trazendo importantes reflexões sobre a dicotomia para qual as mulheres são levadas: casamento ou trabalho, onde a escolha de ser feliz sempre implica na escolha entre ser amada ou construir uma carreira com autonomia e independência, a trajetória de cada uma das jovens traduz o que “Little Women” sempre representou: a possibilidade de escolha para as mulheres. Seja ela qual for.
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