Os principais estereótipos nos papéis femininos do cinema
- Giovana Costa
- 10 de nov. de 2019
- 8 min de leitura
Atualizado: 13 de nov. de 2019

Você consegue identificar quais os principais estereótipos de personagens femininas no cinema? A maioria deles é responsável por tornar a mulher em um ser unidimensional, sem profundidade, uma jornada propriamente dita ou traços muito plurais. Os estereótipos costumam reduzir as mulheres à criaturas idealizadas, perfeitas e irreais, algo bem distante da realidade.
Pensando em retratar os estereótipos de mulheres no cinema e criticar o sexismo no cinema, a página do Facebook e site de notícias SourceFed criou um trailer divertido e sarcástico sobre a questão. Chamado “Underwritten Female Character: The Movie” (2016), em português: “A Personagem Feminina Pouco Desenvolvida: O Filme”, o vídeo mostra de forma cômica e irônica quais são os principais papéis clichês das narrativas. No teaser, um grupo de três mulheres que se autodenominam “As Personagens Femininas Pouco Desenvolvidas” sequestram a protagonista a fim de mostrar a ela que também faz parte de algum estereótipo cinematográfico. Você pode conferir abaixo o vídeo legendado:
Além dos estereótipos presentes no trailer da SourceFed, existem muitos outros. Conhecer um pouco mais sobre os tipos de papéis femininos que são criados, pode ajudar na construção de representações melhores desenvolvidas e menos idealizadas, afinal, mulheres são reais, também possuem sonhos e objetivos, e além disso, também gostam de se identificar nas telas do cinema. Novas possibilidades de narrativas, personagens mais complexos e diferentes profundidades são essenciais para qualquer história. Sendo assim, que tal conhecer os principais dele?
MANIC PIXIE DREAM GIRL
Em português, a tradução livre seria algo parecido com “Garota maníaca fada sonhadora”, algo como “garota doidinha e alternativa dos sonhos”. O termo foi criado pelo crítico de cinema norte-americano Nathan Rabin, que idealizou a nomenclatura após analisar a personagem de Kirsten Dunst em “Tudo Acontece em Elizabethtown” (2005), dirigido por Cameron Crowe. O crítico descreve esse tipo de personagem como ''aquela criatura cinematográfica cintilante e superficial que só existe na imaginação febril dos escritores', a fim de criticar o sexismo presente na construção das personagens'. Na realidade, a Manic Pixie Dream Girl só existe para basicamente ensinar o protagonista homem a aproveitar sua vida. Elas são sempre retratadas como mulheres misteriosas, não têm sonhos, objetivos, nem mesmo uma história que conte mais sobre o seu passado, sua função é apenas trazer mais “cor” e aventura para a vida do seu par romântico.
Sem uma narrativa própria, elas se encaixam em todos os padrões de beleza, geralmente são brancas, magras e altas (e o cabelo colorido pode ser um plus!), mas conseguem ao mesmo tempo, ser diferente de qualquer outra mulher, afinal, são tão excepcionais que são únicas, a melhor mulher que o protagonista já conheceu em sua vida. Alguns dos exemplos mais famosos são: Penny em “Quase Famosos” (2000), Samantha em “Hora de Voltar (2004), Clementine em “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (2004), Margo em "Cidades de Papel" (2015) e Ramona Flowers em "Scott Pilgrim Contra o Mundo” (2010), entre outros. Em algumas dessas narrativas o estereótipo é quebrado a partir do momento em que algumas delas tomam seus próprios rumos e rompem o clichê romântico, mas a construção idealizada é a mesma. Em alguns casos aparecem como crítica a idealização em si.

MULHER TROFÉU
Também sem jornada, ambições ou história anterior, a "mulher troféu" é exibida na narrativa como o nome sugere: como um prêmio que o protagonista masculino pode ostentar por aí. Em filmes em que um herói - seja de forma figurativa ou literal - vence, parte do seu prêmio é "ganhar" a mocinha no final da história. Geralmente, a personagem é objetificada, bonita e jovem, além disso, ela também pode ser apresentada como uma moça boba e ingênua ou simplesmente interesseira, que está com o homem simplesmente para se aproveitar dos seus bens materiais. Mais um estereótipo que reforça a ideia machista de que as mulheres são interesseiras e preguiçosas, e preferem se reduzir a um relacionamento falso para conseguir o que querem. É o caso de Bunny Lebowski, em O Grande Lebowski (1999) em que a mulher está com o marido por puro interesse. Já Naomi Lapaglia de "O Lobo de Wall Street" (2013), é constantemente exibida como um prêmio pelo protagonista masculino, seu marido.
PRINCÍPIO DE SMURFETTE
O termo foi criado pela autora americana Katha Pollitt em um texto para o NY Times, em 1991. Segundo ela, o “Princípio de Smurfette” baseia-se em "um grupo de amigos do sexo masculino ... Permeado por uma mulher solitária, definida estereotipicamente." Este caso é muito recorrente em filmes do gênero de "super-heróis", ficção-científica ou em longas de aventura ou ação. Numa falha tentativa de trazer mais representatividade para as histórias, seja no cinema, televisão ou até mesmo na literatura, muitos enredos trazem somente uma mulher na totalidade da narrativa. Este nome foi inventado por Pollitt pois ela percebeu a fraca representação feminina nas histórias que contava podia oferecer à sua filha. Afinal, em 'Smurfs" uma comunidade inteira é majoritariamente masculina e há literalmente só uma figura feminina: a Smurfette.
Reforçando a ideia de que os homens são os verdadeiros protagonistas das histórias, em filmes em que existe apenas uma personagem feminina dentro de um grupo repleto de homens, reforça-se também a ideia de que mulheres são apenas coadjuvantes. A "smurfette" pode ser uma peça decorativa da história, ou simplesmente o par romântico ou interesse amoroso de algum homem do grupo (o que mais tarde pode transformá-la na "mulher troféu", caso o mocinho/herói consiga conquistá-la, como um prêmio ao final de um difícil torneio). E ainda, em algumas narrativas, a personagem fica tão deslocada ou apagada que a impressão dada nas telas é de que ela foi apenas inserida na história para preencher a "cota" de representatividade. Em "Predadores" (2010), Isabelle é a única mulher em meio ao grupo que combate as ameaças alienígenas. No grupo de super-heróis da Marvel, Natasha Romanoff, a Viúva Negra é a única heroína do grupo em “Vingadores - The Avengers” (2012). Em "It: A Coisa" (2017) por exemplo, em um grupo de sete crianças, há apenas uma personagem feminina: Beverly Marsh.

MULHERES MAIS VELHAS
Reduzidas à mães, tias e avós, as mulheres mais velhas são sempre ligadas à uma ideia de afetividade nas narrativas. Geralmente são algum membro da família, sempre dispostas a dar conselhos, carinho ou manter um clima de segurança, trazendo calma a situações de tensão ou conflito. Quase nunca são mulheres retratadas como desejáveis ou sensuais, afinal, depois de certo tempo, as mulheres em Hollywood já não são atraentes de acordo com a visão sexista da indústria. Fica evidente que trata-se de um caso de sexismo quando os atores que fizeram James Bond, considerados galãs, são homens mais velhos, ao passo em que suas namoradas são sempre belas jovens. Afinal, homens como Tom Cruise, George Clooney e Liam Neeson não interpretam avôs ou homens solitários. Não. Eles estão nos principais longas de ação dos Estados Unidos, explodindo carros e atirando com metralhadoras. Beru, a tia de Luke Skywalker em “Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança” (1977) é um ótimo exemplo deste estereótipo, afinal, sua história não é apresentada e sua atitude é super passiva e sua imagem é acolhedora.
AS HIPERSEXUALIZADAS
Menosprezadas e diminuídas a meros objetos dispostos na narrativa para servir aos homens, as mulheres hipersexualizadas são sub-representadas por serem apresentadas como um padrão: magras, brancas, sensuais e divertidas. Representadas com roupas justas e provocantes, salto alto (ainda que o cenário não comporte esse tipo de calçado), cabelo e maquiagem perfeitos e uma atitude provocante. Além disso, a estigmatização também é um processo presente na construção dessas personagens, pois, como são objetificadas e mostradas como figuras frágeis, são sempre muito parecidas umas com as outras. Afinal, com enquadramentos que focalizam seus corpos de forma sexual, as mulheres são colocadas como objetos de decoração das narrativas, trazendo sensualidade às cenas e despertando o desejo dos protagonistas e dos espectadores, o que reforça a ideia dos três olhares masculinos nas telas.
Como um corpo feminino precisa ser, quais roupas são necessárias, como é um comportamento feminino aceitável (doce, ingênuo e inocente, porém sedutor e provocativo, na medida) e o que representa a experiência de ser uma mulher na sociedade, são algumas das ideias que são incutidas na cabeça de meninas de inúmeras idades ao assistir esse tipo de representação. Além de trazer uma representação irreal de mulheres, pois ao assumir que uma mulher sensual é apenas aquilo: uma mulher disposta a simplesmente saciar os desejos sexuais dos homens, isto é, ela não possui outras ambições, sonhos ou jornada, um estigma sexista é criado. No filme “Mulher-Gato” (2004) por exemplo, a personagem usa pouca roupa e salto alto para lutar, por mais perigoso que isso pareça, já que ela tem cenas de luta em grande parte do longa. Além disso, sua “sensualidade” é usada como arma, assim como ela usa um chicote em algumas brigas, trazendo um caráter fetichista para suas cenas. Isso sem citar os enquadramentos que a sexualizam constantemente.

MULHERES FORTES
Quase que o oposto do exemplo anterior, as “mulheres fortes” são geralmente criadas desta maneira para serem levadas a sério pelos homens, tanto da narrativa, quanto fora das telas. Retratadas como personagens frias, misteriosas, assertivas e/ou reclamonas, elas são mulheres que passaram por algum trauma ou dificuldade, aprenderam com isso e atualmente conseguem lidar com tudo que acontece com elas de maneira muito prática e/ou automática. Quase como se não tivessem sentimentos e fossem uma máquina pronta para realizar tudo que precisa ser feito, estas mulheres são reduzidas a uma figura que pouco demonstra emoções, é masculinizada ou pouco parecida com o padrão de “gostosona” que geralmente é atribuído às femme fatales ou às personagens que costumam ser hipersexualizadas, e ocasionalmente buscam uma atitude de busca de espaço para serem aceitas em locais majoritariamente dominados por homens.
Certamente que nem toda mulher que passou por alguma situação difícil e aprendeu a lidar com isso não vai ter sentimentos ou terá uma imagem mais masculina, mas seguindo a lógica sexista da indústria, esta é a imagem de uma mulher forte. Outro exemplo estigmatizado por essa categoria estão as mulheres que simplesmente escolheram privilegiar a carreira em detrimento da vida pessoal ou amorosa, mas que ao longo da narrativa acabam descobrindo que são infelizes por isso, quase que uma mensagem clara de que uma mulher bem sucedida e confiante não pode ser feliz sozinha. Inclusive, é muito comum que uma mulher considerada forte, que não faz questão de estar em um relacionamento, ou pelo menos não faz disto o seu objetivo principal, têm frequentemente sua sexualidade questionada. Alguns dos exemplos deste estereótipo estão Margaret Tate, em “A Proposta” (2009), Imperatriz Furiosa em “Mad Max: Estrada da Fúria” (2015) e Kate Armstrong em "Sem Reservas" (2007).
MULHER NA GELADEIRA
O termo foi criado pela roteirista de histórias em quadrinhos americana Gail Simone, em 1999. Ao ler uma história em quadrinho (Lanterna Verde - edição #54 (1994), escrita por Ron Marz) em que o herói Lanterna Verde chega em sua casa e encontra sua namorada morta e enfiada dentro da geladeira, Simone percebeu que este tipo de recurso narrativo é muito mais comum do que parece. Pois, ao encontrar sua namorada morta, o herói se sentiu motivado com a revolta e decidiu vingar-se, derrotando o vilão que a assassinou. Notando este padrão em inúmeras histórias, Simone decidiu criar o site Women In Refrigerators para atentar o público sobre esse estigma.
Este estereótipo não é exclusivo para mulheres mortas e colocadas em geladeiras, ele diz respeito ao recurso propriamente dito de machucar, eliminar ou destruir mulheres simplesmente para motivar o protagonista masculino. Afinal, são muito recorrentes os longas em que mulheres são sequestradas, mortas, estupradas ou simplesmente desaparecem, mas o fato é suficiente para fazer com que o homem da história tome uma atitude e até mesmo, se conheça melhor em sua jornada em busca de vingança, a partir deste evento. O que na verdade acaba reduzindo as personagens femininas à fragilidade, dependência masculina e a pouco tempo de tela. Algumas personagens que passam por isso são: Julia McCullough em "O Grande Truque" (2006), Mal em “A Origem” (2010) e Jean Grey em “Wolverine – Imortal” (2013).

É importante lembrar que, com este post, não estou afirmando que mulheres não podem ser sensuais, focadas em suas carreiras, mais velhas, interesseiras, magras, grosseiras, andar somente com homens ou simplesmente ser apenas engraçadas. Muito pelo contrário. A intenção deste post é atentar sobre os perigos de uma má representação feminina que, de tão ruim, reduz inúmeras mulheres a um só tipo de característica, diminuindo-as, estigmatizando-as e transformando-as em uma criatura unidimensional sem ambições, sonhos, trajetórias ou motivações, ou seja, um simplório estereótipo narrativo. Justamente por acreditar que as mulheres são livres para serem o que quiserem, é que surge o alerta sobre esta questão. Por que ser somente inteligente, quando você também pode ser mal-humorada, engraçada e ingênua? Por que as mulheres precisam ser reduzidas a uma coisa só? Somos tantas, merecemos mais do que uma representação rasa, não é mesmo? Dentre as análises fílmicas do site, quais estereótipos você conseguiu encontrar? Comente abaixo.
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