As representações sociais: como são transmitidas e absorvidas em sociedade
- Giovana Costa
- 12 de nov. de 2019
- 6 min de leitura
Atualizado: 13 de nov. de 2019
Entrevista com Daniela Freire, psicóloga, pesquisadora e autora da obra “O lugar feminino na escola: um estudo em representações sociais”

Daniela Barros da Silva Freire Andrade é psicóloga e pesquisadora associada do Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e Subjetividade- Educação, desde 2006 e membro do GT Representações Sociais da Associação Nacional de Pesquisa. Com mestrado em Psicologia Social pela Universidade Gama Filho, possui também doutorado em "Educação: Psicologia da Educação" pela PUC-SP. Atualmente é professora associada da Universidade Federal de Mato Grosso, campus Cuiabá, onde atua no Curso de Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em Educação, além de coordenar o Grupo de Pesquisa em Psicologia da Infância (GPPIN). Tem experiência na área da Psicologia da Aprendizagem e Desenvolvimento e da Psicologia Social com ênfase na Teoria das Representações Sociais. Ela também desenvolve pesquisas sobre infâncias no contexto da cidade, educação e atenção à saúde.
Entrei em contato com Daniela através de seu doutorado, mais precisamente pela obra “O lugar feminino na escola: um estudo em representações sociais” (2007), onde a autora avalia como o estudo acerca do feminino nas instituições educacionais evidencia uma inquietação sobre a subjetivação nas escolas, bem como a discussão em torno do sexo que, supostamente, é utilizado como base para a organização social e criação de diferentes valores: o que se dá por meio de representações sociais. O que me chamou a atenção em seu trabalho é justamente como ela expõe a construção e firmamento das ideias que permeiam nossas mentes quando o assunto é representação.
Afinal, quem nunca viu uma propaganda e desejou ser parecido(a) com o(a) modelo que está posando? Quem nunca assistiu um filme e almejou ser tão interessante quanto a garota que viaja para vários países do globo? Quem nunca olhou uma foto no seu feed do Instagram e quis ter um corte de cabelo tão legal quanto o da colega do colégio? As pessoas observam e são observadas o tempo todo, e da mesma maneira buscam aprovação, inspiração e referências. Por isso as representações sociais são tão importantes. Sendo assim, entender de onde elas surgem, como funcionam e se mantém, é essencial. Não somente para entendermos como nos relacionamos, como nos organizamos em sociedade, como excluímos e incluímos pessoas, mas também para entendermos quem somos e como podemos melhorar nossas estruturas sociais.
Ela na Tela - Daniela, em sua obra “O lugar feminino na escola: um estudo em representações sociais” (2007), você expõe como o estudo sobre o feminino na escola manifesta uma preocupação com a subjetivação nas instituições educacionais, bem como o discurso construído em torno do sexo como suporte para organização social e a elaboração de valores se dá através das representações sociais. Para você, o que são as representações sociais? Como elas emergem?
Daniela - Representação social se distingue de representações coletivas (dogmas), é um tipo de pensamento ingênuo, menos cristalizado, uma forma de manifestação do senso comum que se constitui por meio de compartilhamentos de significados no interior de grupos sociais. Crenças, valores, atitudes e informações são elementos de uma representação social que pode ser possuir elementos hegemônico, polêmico ou emancipado. A função das representações sociais é permitir a construção de uma realidade comum que irá definir práticas sociais, justificar tomadas de decisão, constituir saberes e impactar processos identitários, por exemplo. Toda representação social possui um objeto de representação (sobre aquilo que se fala, como gênero, por exemplo) e seu conteúdo representacional pode modificar dependendo da focalização dos diferentes grupos (como religiosos e feministas representam “gênero” de forma radicalmente diferentes). A focalização do objeto de representação nos diz sobre o lugar de pertencimento dos sujeitos, o acesso à informação, o nível de ortodoxia ao qual estão sujeitos. O que está em jogo em um processo representacional é a preservação da identidade do grupo e isso explica porque alguns conteúdos são compartilhados, negados ou silenciados (zona muda, a face consciente mas indizível das representações sociais). São dois os processos formadores das representações sociais: ancoragem (nomeia e classifica em escalas de valores já estabelecidas pelo grupo) e objetivação (tradução iconográfica da representação social - naturalização do pensamento como o crucifixo que evoca toda a narrativa cristão que ele representa). Podemos analisar representações sociais levando em conta figuras de linguagem (metáforas, metonímias, objetos, peças publicitárias, cenários, instalações ou marcações sociais, como a rotina escolar) e acessar os conteúdos nomeados e classificados ou vice versa (acessar os conteúdos e observar como os mesmos são sintetizados por slogan, metáforas, metonímia).
EnT - Para você, a interpretação de cada pessoa sobre essas metáforas e narrativas pode gerar diferentes percepções sobre o espaço de cada um na sociedade? (Por exemplo, mulheres sendo representadas de formas sexual e vulnerável em filmes podem gerar interpretações que passem a reproduzir essa visão errônea sobre o que é ser mulher?)
Daniela - Moscovici anuncia o termo focalização que nos lembra que os grupos e sujeitos interpretam a realidade a partir de uma espécie de recorte subjetivo altamente conveniente ao grupo de pertença, ao sistema de valores e o nível de informação sobre o objeto. Deste modo, o conteúdo representacional veiculado por meio de um filme será ancorado em um universo simbólico peculiar que diz respeito à identidade grupal e pessoal dos sujeitos. A interpretação será organizada de modo a não ameaçar a integridade da identidade do eu e do grupo. O grupo então sofre o que chamamos de pressão à inferência. Como representação social é um tipo de senso comum, sua produção se dá pela conveniência do grupo e seus componentes.
EnT - As narrativas possuem um poder de influência sob as representações sociais? Quais?
Daniela - As narrativas podem forjar e veicular representações sociais. Por outro lado, elas se constituem inclusive e a partir de representações sociais. Narrativas auxiliam no processo de interpretação da realidade mas também de sua invenção. Deste modo, é possível pensar em narrativas como estratégia para mobilizar mudança no pensamento social ou até mesmo a sua conservação a depender do conteúdo representacional e dos paradigmas que os orientam.
EnT - Atualmente, com a era dos smartphones e o sucesso das redes sociais, vivemos um momento de grande fluxo de imagens, seja através das mídias sociais ou da própria imprensa. Como você observa esse fenômeno?
Daniela - Estamos diante de uma dinâmica comunicacional extremamente potente, se antes existiam narradores que se valiam da oralidade, hoje essa modalidade de comunicação ganhou proporções espetaculares e, quando analisadas sob o ponto de vista das ideologias e da relações de poder esse processo tem condições de impactar o tecido cultural. O que ocorre hoje no Brasil é um exemplo disso, a tecnologia utilizada como palco de disputa de narrativas, cada uma forjando realidades distintas, sendo algumas delas orientadas propositadamente pelo absurdo, pelo falso, antiético, assim forjando subjetividades.
EnT - Como o processo representacional pode impactar a sociedade como um todo? Estereótipos de lugar na sociedade sendo reproduzidos constantemente pela mídia podem provocar efeitos ameaçadores para as minorias que passam por esse processo de generalização?
Daniela - Podemos pensar em representações sociais orientadas por conteúdos hegemônicos que se tensionam com representações sociais polêmicas e emancipadas. Se o conteúdo hegemônico está associado a conservação de valores ancorados em estereótipos e preconceitos, as polêmicas são consideradas o seu extremo oposto. As representações emancipadas são orientadas por valores democráticos, pelo princípio da emancipação. Quando a adesão representacional de grande parte da população se dá em torno das representações hegemônicas, mudanças sociais passam a ser organizadas pela lógica hegemônica uma vez que muitos grupos irão se orientar pelos valores alinhados a essa perspectiva de mundo. Claro que as tipologias são formuladas para facilitar a explicação, o processo precisa ser compreendido na sua dinâmica e na sua contradição. Em um mesmo grupo podem ser negociadas e tensionadas representações sociais em nuances uma vez que os grupos são constituídos por participantes com diferentes pertencimentos grupais.
EnT - Existem maneiras de retratar uma representação social sem gerar estereótipos e arquétipos? Quais?
Daniela - Sem gerar estereótipos sim. Isso é altamente desejável e possível por meio dos conteúdos emancipados, aqueles orientados por princípios humanitários, éticos. São tais conteúdos que precisam ser difundidos nas intervenções de profissionais comprometidos com uma perspectiva de mundo dialógica na qual celebra-se o valor da alteridade. Psicólogos, pedagogos, publicitários, cineastas, profissionais da saúde, do sistema judiciário acabam por trabalhar os conteúdos emancipados orientando as narrativas que assumem nas suas intervenções com o objetivo de exercer influência social e possibilitar mudança do pensamento social.
Para finalizar a nossa entrevista, deixo registrado aqui um trecho muito esclarecedor de sua obra sobre as representações sociais: "(...) Nessa direção, tem-se que narrativas são elementos centrais na sustentação e na reconstrução ativa das representações sociais, atuando ou sustentando velhos significados em face de versões contrárias e conflituosas, ou construindo novos significados para mudar e transformar antigos significados” (ANDRADE, 2007, p. 54). Vale a pena conferir!
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