“A Mulher No Cinema” investiga a participação das mulheres no cinema
- Giovana Costa
- 10 de nov. de 2019
- 7 min de leitura
Atualizado: 13 de nov. de 2019
Entrevista com a jornalista e cineasta Simone Zuccolotto, diretora da série do Canal Brasil, que traz importantes questionamentos sobre a representação feminina no audiovisual brasileiro

Espectadora de cinema desde criança, Simone Zuccolotto morava no bairro Tijuca, no Rio de Janeiro, onde em três quarteirões haviam nove cinemas de rua, para a alegria da menina que, durante suas férias, costumava ficar super ansiosa para os filmes dos Trapalhões. Aos 13 anos de idade, a retomada do cinema brasileiro aconteceu, e foi neste mesmo período que ela se encantou com “Carlota Joaquina” (1995), justamente uma produção dirigida por uma mulher, Carla Camuratti. Além do incentivo citadino, a leitura também contribuiu para o deslumbre, já que aos 14 anos ela lia constantemente: “Assim como a literatura, o cinema é uma viagem a cada sessão”, revela.
Formada em Jornalismo pela PUC-RJ, Simone iniciou sua carreira em um estágio no Telecine (Globosat), e apesar de todo o interesse pelo cinema desde criança, foi sua vontade de trabalhar com esporte e na rádio que a inspirou a estudar comunicação. Mas o fim do estágio acabou levando-a para as artes, onde ela se encontrou no cinema. Após o fim do estágio tornou-se produtora, posteriormente repórter e apresentadora na TVE, no Rio de Janeiro. A seguir, teve uma breve passagem pela TV Cultura em São Paulo, e depois no Multishow. Também fez uma pós-graduação de roteiro de cinema e, atualmente é crítica de cinema do jornal O Globo. Após sua saída do Multishow, Simone seguiu para o Canal Brasil, onde já produziu diversos projetos, ao longo de seus 15 anos de trabalho na emissora. São algumas das produções roteirizadas e dirigidas por Simone para o Canal Brasil: “Nas Sombras do Medo - O Cinema de Terror no Brasil” (2016) que retrata a história da filmografia de terror do Brasil, a recente “De semelhanças e coincidências” (2018) sobre o papel político da produção audiovisual brasileira e a série “A Mulher No Cinema” (2017), que investiga a representação das mulheres no cinema, e conta com a participação de Fernanda Montenegro, Maeve Jinkings, Laís Bodansky, Marcia Tiburi, Anna Muylaert, dentre outras mulheres fascinantes do audiovisual brasileiro. Além disso, o melhor da produção cinematográfica nacional é apresentado por ela semanalmente no CineJornal.

Pensando em sua trajetória, sua carreira no jornalismo, sua atuação como cineasta e a série “A Mulher No Cinema”, conversamos um pouco sobre a participação feminina na sétima arte, o audiovisual brasileiro e o processo de direção da série. Na entrevista, a cineasta levantou importantes dados que ela investigou durante a produção, sobre a participação da mulher no cinema. Por exemplo: “De acordo com os números divulgados pela Ancine em 2016, na direção temos 17% de diretoras, 75% de diretores e 8% misto. No roteiro, essa diferença diminui, 21% dos títulos são assinados por mulheres, 67% por homens e 12% misto. Enquanto que na produção acontece quase um empate: 41% de produtoras, 46% de produtores e 13% misto”. [...] Se compararmos os números da presença da mulher na direção de fotografia e na direção de arte, temos resultados bastante desiguais. Se na arte elas representam 58%, na fotografia esse número chega a irrisórios 8%”.
Você pode conferir a entrevista abaixo:
Ela Na Tela - Como começou sua carreira como diretora?
Simone - Comecei a dirigir séries documentais no Canal Brasil há cerca de 13 anos, foram vários os temas que pesquisei. Dirigi séries como “Foi bom pra você benzinho?” sobre o sexo no cinema brasileiro nos anos 70 e 80, ”Mordaça” sobre censura no cinema brasileiro, “Na sombras do medo” sobre o cinema de terror no Brasil, “Abre as asas sobre nós” sobre política do audiovisual, entre outras.
EnT - Você já sofreu algum tipo de preconceito em algum momento da sua carreira,
por ser uma mulher no audiovisual? Se sim, como lidou com isso?
Simone - Não tenho nenhum episódio marcante de preconceito, mas é muito curioso pensar que atitudes cotidianas, hoje, vistas a partir do empoderamento feminino são sim, atitudes machistas e são sim assédio. Hoje quando penso na quantidade de mulheres que trabalham comigo, e digo, na posição de liderança é muito esclarecedor, e necessário. É claro que é um longo caminho, que só começou, mas hoje, ninguém me interrompe numa reunião, sem que eu termine minha fala. Penso também que essa busca por um caminho é para ser trabalhada junto com os homens, é uma construção a partir reparação comportamental e cultural, e de acesso as posições de poder econômico também.
EnT - Em 2017, você dirigiu a série “A Mulher no Cinema” para o Canal Brasil. Como surgiu a ideia de falar sobre gênero, o cinema e as diferenças entre as produções de homens e mulheres?
Simone - A ideia surgiu a partir do que eu encontrava na rua, nas minhas matérias e entrevistas. Senti uma urgência na fala das mulheres que conversava, nas diretoras, atrizes, montadoras, produtoras. E isso foi ao longo de mais de 10 anos trabalhando com o audiovisual brasileiro, acho que na verdade, desde a retomada.
EnT - Na série, você conversa com inúmeras mulheres sobre a representação da mulher no cinema brasileiro: psicanalistas, cineastas, atrizes, filósofas, etc. Como foi a experiência de conversar com essas mulheres?
Simone - A experiência foi transformadora, pela primeira vez eu pensava sobre a mulher no audiovisual brasileiro, mas sobretudo sobre mim mesma, como profissional e mulher.
EnT - A série trouxe mudanças para o seu olhar em relação a produções feitas por mulheres e produções feita por homens? Quais?
Simone - Não trouxe mudanças sobre o meu olhar mas esclareceu muitos assuntos. Como a necessidade de termos mulheres nas funções de poder na cadeia produtiva para que nossas histórias sejam contadas. Não um olhar feminino, mas a escolha dos assuntos, a partir de uma vivência da mulher. Afinal, o lugar da mulher é onde ela quiser, e queremos estar em todos os lugares da cadeia produtiva, inclusive nas posições de liderança. É um construir JUNTOS.
EnT - Hoje em dia, existe uma discussão muito significativa em relação às questões de gênero e o protagonismo da mulher. Pensando no cinema como uma forma de representar a realidade através da arte e levando em consideração seu trabalho, a série “A Mulher no Cinema”, como você enxerga a representação das mulheres no cinema brasileiro? E no cinema mundial?
Simone - Tanto no cinema brasileiro quanto no mundial a mulher ainda ocupa um espaço pequeno, embora as conquistas venham aparecendo, porque as mulheres têm ocupando mais espaços de poder e tem se posicionado com uma série de reivindicações e iniciativas. Como você pode conferir, em trechos da série “A mulher no cinema”, os números refletem a situação ainda hoje.
EnT - Além de representações femininas caricatas como a mocinha em perigo esperando o super-herói salvá-la, os alívios cômicos, a mulher que só existe na narrativa para ajudar no desenvolvimento do protagonista homem, existe a mulher que é sexualizada, sobretudo as mulheres negras. Seja através de figurinos hipersexualizados, cenas de nudez impostas, personagens reduzidas a cenas provocantes ou enquadramentos machistas. Enquanto os homens não precisam lidar com esse tipo de cena. Como você avalia esse tipo de abordagem para os papéis femininos?
Simone - Completamente equivocada a abordagem. Ainda vemos repetições de estereótipos, mas movimentos feministas como por exemplo o #metoo tem feito as mulheres reconhecerem seus espaços, ressignificarem suas posturas e avançarem em suas conquistas no audiovisual.
EnT - Acredita que a forma de representar mulheres no cinema sempre foi a mesma, repleta de estereótipos e preconceitos ou houveram transformações ao longo dos anos?
Simone - As transformações têm ocorrido sim. Por exemplo, tenho visitado sets como o do filme “O livro dos prazeres”, adaptado de Clarice Lispector, dirigido por Marcela Lordy, produzido entre outros pela Debora Osborn, com uma equipe de fotografia liderada pelo Mauro Pinheiro mas formada só por mulheres. E tenho sim, visto mais mulheres nos sets. Tb fiz os bastidores de “LOKA”, produzido pela Carolina Jabor, dirigido pela Claudia Jouvin, com milhares de mulheres na produção, protagonizado por três mulheres (Mariana Ximenes, Debora Lamm e Roberta Rodrigues). Os resultados ainda são lentos, por exemplo, o Festival de Gramado esse ano, na mostra competitiva de longas brasileiros não tem nenhuma diretora, algo estranho numa edição com recorde de inscrições. A ver.
EnT - Existem diferenças entre as representações das mulheres nas produções do cinema internacional e nas produções do cinema brasileiro? Ou você acredita que a falta de uma representação mais verossímil é um fenômeno mundial?
Simone - Absolutamente um fenômeno mundial.
EnT - De acordo com estudos da Agência Nacional do Cinema - ANCINE, o mercado cinematográfico brasileiro é uma indústria protagonizada por homens brancos. Tendo como base os 142 longas-metragens brasileiros lançados comercialmente no ano de 2016 mostra que os homens lideram a direção de 75,4% dos filmes. As mulheres brancas, por sua vez, dirigiram 19,7% dos filmes, enquanto apenas 2,1% foram dirigidos por homens negros. Em 2016, nenhum longa foi dirigido ou roteirizado por uma mulher negra. A que fatores você atribui essa dominância dos homens brancos na direção do audiovisual brasileiro?
Simone - Apenas a um fator, uma herança histórica, na qual o homem branco, hétero e machista sempre esteve no poder.
EnT - Para você, existem diferenças entre filmes que possuem produções mais diversas, isto é, com mulheres (na direção, na produção, na edição, na fotografia, como protagonistas, etc) e filmes com produções exclusivamente masculinas? Quais?
Simone - Principalmente a forma como essas histórias são contadas. Desde o roteiro e passando pelas diversas funções da cadeia produtiva.
EnT - Qual a importância em encontrar mais mulheres nas produções dos filmes? Acredita que mais mulheres na produção podem gerar filmes mais conscientes, isto é, que reproduzam menos preconceitos e estereótipos?
Simone - Definitivamente.
EnT - Você se lembra de alguma representação feminina, isto é, alguma personagem mulher do cinema que te marcou ou inspirou? Por quê?
Simone - Sempre que me perguntam isso, gosto de lembrar ao invés de personagens e interpretações distantes, gosto de lembrar as mais recentes. Os filmes da Gabriela Amaral Almeida por exemplo, desde de curtas como “A mão que afaga” (com a Luciana Paes), “Estátua” (com a Maeve Jinkings) até seus longas “O animal cordial” e “A sombra do pai” (os dois com a Luciana Paes) são exemplo de como a direção de uma mulher pode propor novos olhares. E olha que ela faz cinema de gênero, terror.
EnT - Qual mensagem você transmitiria para outras mulheres que querem iniciar sua carreira no audiovisual?
Simone - Não só no audiovisual, mas em qualquer profissão é fundamental falarmos de igual para igual. E juntos com os homens e toda a comunidade LGBTQIA+ buscarmos comportamentos, ideias e ações equilibradas e justas.
Você pode assistir ao primeiro e ao segundo episódio da série na página do Canal Brasil no YouTube, e os demais episódios podem ser assistidos no GlobosatPlay.
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