The Idol oferece narrativa rasa, roteiro fraco e grande dose de male gaze
- Giovana Costa
- 18 de jul. de 2023
- 6 min de leitura
Com apenas 5 episódios, a série de Sam Levinson foi massacrada pela mídia e pelo público

Jocelyn é uma estrela pop que tem sua carreira transformada após conhecer Tedros. | Foto: HBO
A série The Idol nasceu cercada de controvérsias e polêmicas, e assim que os teasers e trailers foram lançados, a expectativa só aumentou. O que também potencializou a sede por mais séries polêmicas, threads no Twitter, fan cams glamourizando o estilo de vida de uma popstar, e claro, também os cancelamentos.
Surpreendentemente, todas elas foram atendidas, porém, com questionamentos sobre a dose extra de hipersexualização, o roteiro confuso, mais polêmicas e novas controvérsias. A HBO começou a exibição a partir do final de maio, logo surgiram as considerações, e assim, The Idol foi massacrada pela crítica. A resposta do público? Apenas 20% de aprovação no site de avaliações Rotten Tomatoes.
Clima conturbado nos bastidores
A expectativa do público, em grande parte, era altíssima devido ao sucesso da série Euphoria, produção anterior de Sam Levinson, diretor de The Idol. Até que uma matéria da revista Rolling Stones, que contou com o relato de 13 fontes que trabalharam na produção, revelou um desperdício de U$ 75 milhões de dólares do orçamento, além de problemas nos bastidores que, por consequência, haviam criado atrasos na produção. Além disso, Levinson assumiu o cargo de diretor após a demissão da atriz e produtora Amy Seimetz, que havia sido contratada anteriormente, e deixou o posto em abril de 2021.
“Era como uma fantasia de estupro que qualquer homem tóxico teria no programa - e então a mulher volta para mais porque isso torna sua música melhor“, disse um membro da produção sobre a versão reformulada. Enquanto, de acordo com Levinson, a saída de Seimetz representaria uma história “... menos sobre uma estrela problemática sendo vítima de uma figura predatória da indústria e lutando para recuperar sua própria agência, e mais uma história de amor degradante com uma mensagem vazia".
Entretanto, outras fontes próximas teriam dito que o diretor optou por criar cenas violentas e perturbadoras, envolvendo sexo e agressões. O que acaba não sendo uma surpresa tendo em vista as cenas mais absurdas de Euphoria, como a exposição de Cassie no carrossel, a infância de Maddy e as violências sofridas por Jules, ainda que Levinson tente constantemente disfarçar com uma estética detalhada, fotografia etérea e uma trilha sonora escolhida a dedo para encantar a geração Z.
O cantor The Weeknd, produtor da série e ator responsável por dar vida a Tedros, um homem misterioso e dono de uma casa noturna, que logo se torna um guru de um culto moderno, que atrai Jocelyn (interpretada por Lily-Rose Depp), se posicionou contra a matéria da Rolling Stones.
Por meio de um vídeo postado no Twitter, ele ironizou a situação apontando a falta de relevância da revista quando comparada aos números de seguidores de Jocelyn nas redes sociais. Ainda de acordo com a Rolling Stone, a HBO teria encorajado Amy Seimetz a melhorar e alterar os roteiros da série, mas The Weeknd não teria ficado satisfeito, pois a história supostamente estava sendo contado sob “lentes femininas”.
De acordo com Lily-Rose Depp, sua experiência no set não foi desagradável e ela se sentiu segura com todas as escolhas para a sua personagem: "Ela [Jocelyn] se veste para expressar algo. Eu nunca estive tão envolvida nas conversas sobre todos os detalhes da personagem quanto nesta série".
Já Jane Adams, atriz que interpreta Nikki Katz, a abordagem às críticas foi bem mais hostil: “O que é incrível para mim é que ninguém está ouvindo — eu nunca tinha visto isso antes em todos os meus dias, tão obstinado 'nós nos recusamos a mudar a narrativa'. Quero dizer especialmente a todas as feministas: 'Vão se f*der'...” revelou em entrevista à Vanity Fair.
As cenas em The Idol
Para além da revelação dos problemas nos bastidores, grande parte da crítica se direcionou ao exagero nos apelos sexuais que a maior parte das cenas carrega. Com muita nudez, pouco desenvolvimento das personagens e um roteiro confuso, a trama oferece clichês, muitos gemidos e uma forte hipersexualização de Jocelyn.
Seria um recurso de metalinguagem para representar a indústria em diferentes esferas? Bem, devido à falta de originalidade e o fraquíssimo tom, de fato, erótico e sensual, o que se percebe nas cenas é o mais puro exemplo de hipersexualização, onde a sensualidade dá espaço para a violência e o grotesco, e até mesmo um tom satírico e banal do que seria uma relação saudável entre dois adultos que se desejam. Mas vamos começar do começo.
Na primeira cena, vemos Jocelyn posando em cima da cama, usando um robe vermelho com detalhes preto rendados, enquanto ela faz caras e bocas. O objetivo central parece ser transmitir diferentes emoções e sensações para a produção fotográfica. Dentre eles, em menos de um minuto de episódio, o fotógrafo pede uma expressão específica: “puro sexo”. Dali em diante, o tom da série já pode ser captado. O espectador será guiado numa exposição da carreira, vida e corpo da popstar.

Jocelyn ensaia a coreografia da música "World Class Sinner / I'm a Freak" com seus bailarinos. | Foto: HBO
A comprovação vem logo a seguir: há uma discussão da equipe sobre a exposição do corpo da cantora e a possibilidade de exibir (ou não) os seus mamilos nas fotos, inclusive, a popstar até tenta opinar, mas com tanta fama e dinheiro envolvidos, é claro que a decisão sobre a exposição do próprio corpo não cabe a ela.
Logo em seguida, somos guiados por mais uma questão que a equipe tenta resolver, numa espécie de gerenciamento de crise: o vazamento de uma foto íntima de Jocelyn e, em consequência, milhares de comentários que disseminam o mais puro slut-shaming. Mas não acaba aqui, agora o conflito gira em torno da decisão de expor ou não a situação para a popstar, que no momento, está ensaiando passos de dança com os bailarinos e sua coreógrafa.
Ou seja, o corpo de Jocelyn é público. Em primeiro lugar, é de sua equipe, em segundo, é do público e da mídia, e em terceiro, passa a pertencer também a Tedros. É importante pontuar que esta é uma questão que vêm levantando questionamentos sobre a forma como a indústria trata o corpo das mulheres que fazem parte da cultura pop. No Brasil, essa discussão se faz presente com frequência, sobretudo na música brasileira, e abrange popstars como Anitta e Luísa Sonza, que além de inseridas nos hits de pop, também criam hits de funk, e assim, comumente recebem comentários conservadores sobre a exposição de seus corpos e o que fazem com ele, numa discussão que contesta sua música, sua capacidade e o seu valor.
Na série, dentre Chaim - empresário de Jocelyn, Destiny - uma de suas amigas, Andrew Finkelstein - representante da Live Nation, Talia - jornalista da Vanity Fair e Nikki Katz - executiva da gravadora da cantora, que constantemente faz comentários tão sórdidos que o espectador pode até se perguntar se ela, de fato, se preocupa minimamente com Jocelyn, não há qualquer resquício de dúvida de que se trata de um grupo de pessoas com interesses próprios, totalmente voltados aos lucros que a carreira da popstar pode lhes trazer, com um ego gigante e zero interesse em ajudar Jocelyn a se expressar com autenticidade e criatividade.
Ao contrário de Leia, sua melhor amiga e assistente, que passa grande parte do seu tempo de tela cuidando e mostrando-se preocupada com a cantora. O desconforto de Leia em assistir Jocelyn viver as experiências bizarras com Tedros é constante e quase palpável. Daria até para dizer que funcionam como uma espécie de metalinguagem de como (parte da) audiência provavelmente também está se sentindo assistindo aos delírios misóginos de Sam Levinson.
O olhar masculino na produção
Através do male gaze (alô, Laura Mulvey!), na série o sexo é simplesmente explorar ao máximo Jocelyn, tornar seu corpo público, iluminar sua silhueta nua assim que ela é acordada por Leia, e é também a concretização do ato por meio de um diálogo bizarro que inclui a tentativa de Tedros oferecer sensualidade enquanto fala uma sequência de baboseiras sexuais enquanto tenta seduzir a cantora.
Não é atoa que algumas críticas foram mais incisivas, como é o caso do texto de Lucy Ford para QG Magazine UK: “Tudo sobre o sexo em The Idol , especialmente sua cena mais provocativa, é como o amigo do seu irmão mais velho na escola tentando impressioná-lo com o quanto ele sabe sobre sexo... É tudo conversa e nenhuma ação, deixando o trabalho pesado para sua estrela principal, que carrega todo o peso de tentar excitar o público enquanto nos diz que as mulheres gostam de ser exploradas, na verdade… Para eles [Levinson e The Weeknd], sexo é o seguinte: 'Uma mulher fica tão excitada porque existe um homem… É a fantasia masculina em sua forma mais pura, feita por homens que acham que sabem contar histórias complexas porque conseguem iluminar um mamilo com arte.”
Com apenas cinco episódios, muitas críticas e controvérsias, The Idol deixou o legado de um produto vazio e retrógrado para uma nova era em que jovens mulheres buscam muito mais do que o olhar masculino para representá-las e defini-las.
Felizmente, há mais reflexão sobre as as armadilhas de produções rasas e o seu impacto sobre a vida de tantas garotas. E ainda que, todos os dias, elas sejam bombardeadas com novas tendências, looks do dia, procedimentos estéticos, performances e produtos que ditam o que elas devem ser, dentro e fora das telas, há uma resistência constante, e a crítica a produções como The Idol, mostram que também existe uma luz no fim do túnel.
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